top of page

Islândia: Road Trip Num Mundo Não Padronizado ou em Outra Dimensão


Esculturas e museu na Islândia

Estávamos planejando um Natal tradicional: arrumar a casa, reunir a família miúda, chamar alguns amigos, deixar as crianças brincarem ao redor da árvore e dos presentes, fazer uns assados, esperar a meia-noite chegar, brindar – enfim, vestir apertadamente o clima natalino de uma forma ou de outra – e isso já me parecia um bom desafio para o momento. Mas, então, veio aquele pensamento sorrateiro: “Vocês não estão vivendo esses tais tempos sabáticos? E vocês vão passar um Natal como fazem sempre e sempre em todos os anos? E aquela proposta de viver o inesperado nessa fase da vida?”. Com o passar dos dias a indagação foi se agigantando, tomando proporções, ganhando formas, preenchendo o nosso imaginário até que, numa manhã de dezembro, Didier Pai me ligou com um convite:


“— Que tal passsarmos o Natal na Islândia? A companhia aérea está com um oferta de passagens imperdível para lá!

— Mas o que temos para fazer por lá? Não vai estar muito frio?

— Ainda não pesquisei nada. Deve ser frio sim, mas seria algo tão diferente!

— Mas... a Didier Vovó estará vindo para cá nesse período...

— Tudo bem, ela irá conosco.

— Ok! Vamos colocar a sogra numa fria, por que não? Compre as passagens!”


A vida por aqui tem sido assim: cheia de momentos imperdíveis, de situações não convencionais, e é isso que tem tornado esses anos tão tênues e vívidos. Poucas semanas depois, nós cinco estávamos pegando um vôo na madrugada, todos já vestindo nossas roupas de neve e, preparados para uma semana fora de casa apenas com uma mala de mão e expectativas generosas no coração.




À primeira vista, o clima estava ótimo para aquela época do ano – algo em torno de 5 graus negativos, com a luz solar aparecendo às 11 horas e se pondo entre as 15 e 16 horas, com ventos fortes, mas poucas chuvas. E a capital – Reyakjavik – estava inundada de luzes de Natal, com uma atmosfera euforicamente acolhedora. Decidimos ficar apenas um dia por lá, mas eu acho que foi pouco, certamente, ela merecia mais tempo. Mesmo assim, adorei caminhar pelo centro da cidade, almoçar num restaurante típico e provar o “artic char”, visitar o Museu Perlan, descobrir porque a Islândia recebe o nome de “lost land” e de “land of ice and fire”, ver o pôr do sol com uma vista incrível da cidade enquanto tomava um café.


E, depois, ainda sobrou energia para seguir ruma à famosa “Blue Lagoon” – a piscina termal de água com enxofre e à céu aberto – e passar creme de algas no rosto, brindar com champagne e deixar-se cozinhar numa água com temperatura em torno de 39 graus celsius. Depois do jantar, porém, eu já estava entregue de tanto cansaço, mas pegamos o carro para “caçarmos” a aurora boreal, numa estrada com baixa luminosidade. Seguimos sem rumo, entre reclamações e esperanças, por bem mais de uma hora – mas, a previsão do tempo não estava à nosso favor, o céu estava iluminadíssimo por uma teimosa lua crescente – e durante todos os cinco dias que ficamos por lá não houve nem rastro de “northen lights”...



Levamos muito à sério a proposta de uma “road trip” e, para tanto, mudamos de hotel todas as noites, e ao final rodamos mais de 1.000km. Foi puxado, sim, acordar cedo a cada manhã, dormir tarde, abrir e fechar malas todos os dias, num frio abaixo de zero, com dias com poucas horas de luz. Mas, não duvide: eu faria tudo isso novamente! A Islândia me proporcionou uma sensação de liberdade, uma ideia de que você não precisa de quase nada para escutar a si mesmo e perceber a magia dessa época do ano invadindo o seu coração com leveza e descompromisso.



Os dias seguiram-se com diversas paradas para admirar as belezas naturais dessa ilha tão inóspita e solitária – tunel de lava (Lava Tunnel) e cachoeiras (Skógafoss, Skaftafell) – estavam todos rodeados por lendas e contrastes proporcionados pelo gelo dos glaciers (Jökulsárlón), pelos vulcões (Lava Center) pelo encontro das placas tectônicas (Thingevelier National Park), pelo vapor ardoroso dos geysers (Strokkur Geyser), pela praia de areia preta (Reynisfjara - Black Sand Beach, em Vik), pelas piscinas de águas naturais (Secret Lagoon e Larvagatan Fontana).



E o que ficou para mim foram: a dramaticidade daquelas paisagens – a todo instante eu me perguntava como as fúrias do calor (vindo da lava e dos gleisers) e do frio (vindo dos glaciers e dos ventos) poderiam conviver daquela maneira; e a aquela imensidão margeada por tamanho aquietamento. Como aquilo tudo é possível? O país todo tem algo em torno de 350.000 habitantes, o que me permitiu ter aquela sensação de serenidade que até, então, eu só tinha apreciado em pouquíssimos lugares...



Mas, também me marcou o fato de ter passado uma véspera de Natal tão pacífica, tão harmoniosa e simples – como sempre deveria ter sido desde muito muito antes. Lembro-me que, no dia 24 de dezembro, acordamos cedo, tomamos um café bem modesto na “guesthouse” (Skyrhúsid) em que pernoitamos, ainda estávamos assustados com a intensidade dos ventos que haviam passado no lugar durante a noite (havia sido tão forte que foi preciso guardar o carro num estacionamento fechado dentro vilarejo, para evitar quebra das janelas e dos espelhos laterais); pegamos a estrada antes das 8 horas da manhã em plena escuridão matinal, e seguimos até Vik, onde paramos para tomar um café, a fim de seguirmos para a praia. Foi nesse café, na beira da estrada, quando ainda estávamos tomando consciência do dia que viria pela frente, que uma senhora se aproximou da nossa mesa para nos desejar um “Feliz Natal” no idioma local. Um ato tão acalentador, com um sorriso no olhar, um gesto fraterno de quem realmente estava desejando algo com autenticidade.




A Islândia me reforçou a ideia de que ainda é possível viver uma vida sem automaticidade, uma vida verdadeira e não padronizada; e isso se repetiu em outros momentos quando, ao deixarmos a “Secret Lagoon”, naquele mesmo início de noite do dia 24 de dezembro, percebemos que não sabíamos ao certo se sequer haveria uma “ceia de Natal” naquela ocasião, e funcionários do local vieram com sugestões de lugares perto dali, estavam compadecidos, acho que se indagavam: “Como esses forasteiros vem para cá na noite de Natal e não tem onde ir?”. E, depois, de ligações não atendidas, de locais com indisponibilidades, fomos recepcionados pelo lieralmente estrondoso restaurante Strönd, no qual fomos atendidos por pessoas que confirmaram essa concepção de que fire and ice formam uma liga surpreendente.



Houveram momentos que entraram para o rol das piadas infames de viagem – como quando, ao voltarmos caminhando à noite por uma pastagem, sem nenhuma luz, eu pensei ter perdido a minha sogra ao longo do escuridão e chamei por ela assustadamente, quando ela estava justamente ao meu lado; ou na ocasião em que eu, Petite e Didier Vovó havíamos confundido o local da hospedaria e estávamos insistindo em tentar abrir a porta de uma outra casa do vilarejo, enquanto um morador lá dentro nos olhava atônito com a nossa ousadia; ou quando, depois de uma subida muito íngreme para se chegar ao topo de uma queda d’àgua, eu perguntei já sem fôlego se lá não tinha um lugar para descansar; também no momento em que eu, Petite e Didier fizemos yoga na black sand beach e começamos à desejar uns aos outros aquele “Bad Christimas to you all”, até que o vento nos revidou e bateu tão forte que encheu nossos olhos de areia e pedrinhas.




À medida que os dias foram se passando, eu fui me sentindo tão bem naquele ambiente que um pensamento repentino tomou a minha cabeça algumas vezes: que lugar fascinante para se morar, se inspirar e escrever um livro. É claro que aquele isolamento todo que eu senti, aquele destacamento do mundo real, foi uma idealização, um esforço generoso da minha alma, porque ao meu redor, certamente, a vida não parou, eu continuei sendo todas aquelas personagens: a mãe, a esposa, a nora. Mas, houveram horas em que não precisei de véus, e foram os momentos em que eu mais senti a força das lendas e mitologias do lugar. Foi preciso ir para a Islândia para entender porque J.R.R. Tolkien foi tão influenciado por elfos, trolls, espadas e anel para escrever “O Senhor dos Anéis” (dizem que, quando pequeno ele teve uma “nanny” da Islândia) – eu mesma comprei todos os livros que achei sobre as sagas da região numa incomensurável avidez por saber mais e mais sobre aquele universo tão inesperado.




Se os elfos existem? Bem, essa é uma outra história. Mas, eu posso afirmar que a generosidade mágica existe. Eu senti esse tipo de encantamento quando, semanas depois de termos voltado à Lilliput, tocaram a campanhia de casa, mas quando eu desci as escadas não havia ninguém por lá, então, abri a caixa do correio e me deparei com um embrulho muito leve: era o bichinho de pelúcia que Petite havia esquecido numa hospedaria da Islândia (Skyrhúsid), naquele corre-corre de pegar tudo e colocar as coisas no carro. Uma vida aprazível seguramente faz muito bem aos seres humanos, ao ver este ato, Didier Pai racionalizou e valorizou o nível de confiança do país; mas como lógica nunca foi o meu forte, eu preferi justificar essa passagem como sendo um sortilégio, ou para as crianças foi um conto da carochinha – como “Rainbow Dash” sumiu na Islândia e voou até em casa sozinha.




Assim que voltamos da Islândia, enquanto ainda carregávamos as malas para dentro de casa, Petite me olhou inquisidoramente e me perguntou com gravidade: “Mamãe, que dia será o Natal? Quando vamos montar a nossa árvore de Natal?”. Eu não tinha resposta nem ponderada nem fantasiosa para aquele momento: “Mas, Petite, minha filha, o Natal já passou! Foi lá na Islândia, não foi?”. Mas, tive vontade de dizer que o espírito do verdadeiro Natal havia se formado dentro de nós mesmos, quando nos demos as mãos para caminharmos juntos contra o vento, quando borbulhamos na água quente que exalava enxofre, quando exaustos deitamos na cama para simplesmente assistirmos televisão, quando colocamos a mão no gelo, quando sentimos o calor vindo do vapor d’água, quando sorrimos diante da montanha impetuosa, quando sentimos a escuridão do túnel de lava, e a solidão tentou nos calar...




Para lembrar essa viagem eu escolhi três músicas. Uma delas tinha que ser da Björk, para celebrar a viagem com uma artista local, e recordar aqueles momentos em que você queria tanto um momento "nice and quiet", mas estava cercada por uma "big riot": "It's oh so quiet".


A outra é uma das minhas preferidas do Jethro Tull, que na época do Natal sempre me ronda a cabeça com aqueles versos duros e verdadeiros de “And how can you smile when the reasons for smiling are wrong?”, e olha que é só mais uma “Christmas Song".



E, para terminar a viagem, quando estávamos no aeroporto de Reyakjavik, eu ouvi por acaso “Out of Space” do Prodigy, enquanto tomava um capuccino e tentava me manter acordada em plena escuridão matinal.



Então, me lembrei de ter lido que, antes de irem para a Lua, os astronautas da Apollo (Neils Armstrong e outros 30 integrantes da NASA) fizeram treinamentos na Islândia pelo fato do local ser um dos lugares que mais se assemelharia à paisagem lunar; e até mesmo agora eles continuam a aparecer por lá para a possível exploração de Marte. Então, por que não cantar repetidamente: “I’am gonna send him to outer space, find another race... I’ll take your brain to another dimension...”.


Eu posso não ter ido à Lua e nem à Marte, mas eu pisei em Iceland, e foi mesmo como estar em uma outra dimensão.

Single post: Blog_Single_Post_Widget
  • Facebook
  • Twitter
  • YouTube
  • Pinterest
  • Tumblr Social Icon
  • Instagram
bottom of page