top of page

Senhoras que Almoçam: Sororidade e Impermanência


Exposição na Suíça

Gosto da ideia de que ainda há muito o que aprender. Em parte, vim para Lilliput para isso. Durante todo esse período (em 29 de julho de 2018 completei 2 anos de morada na terra do Basilisk), vou me lembrar bem do quanto esse sentimento complexo de empatia, de cooperação e de ajuda mútua, entre várias mulheres, me auxiliou a compreender não só o mundo que me cercava, como também qual era o meu papel naquele cenário de terra arrasada dos primeiros momentos, e depois me mostrou como era agradável viver essa fase nômade e sem raízes.


Não é que antes, na Terra Brasilis, eu fosse uma eremita do deserto. Muito pelo contrário, eu sempre pude apreciar amizades vívidas, as quais, em determinadas fases da minha vida, foram essenciais para me resgatar de inúmeros embustes que pularam no meu caminho. E me contento em dizer que várias amigas da infância, adolescência, juventude e maturidade estão próximas à mim até hoje; e quando a gente se encontra ou se fala virtualmente é aquela máquina do tempo, um turbilhão de saudades e de mazelas. E tudo se parece como antes: a certeza de um sorriso que não se esvai nas areias do tempo.


Mas, uma vida longe da pátria mãe gentil é tarefa fatigante e, se pudermos contar com pessoas que nos estendem as mãos, ao menos, com a leveza de um diálogo durante um almoço ou um café, ou uma companhia num dia de compras ou num passeio de fim de semana – isso faz uma extraordinária diferença no nosso quotidiano. E isso eu só vim a aprender em Lilliput. Eu já havia morado fora do Brasil há alguns anos atrás, era um contexto totalmente diferente desse; mas eu me arrependo de, naquela época, não ter me entregue à sororidade. Mantive uma postura indiferente, achava que era melhor me isolar nos livros e bibliotecas do que dividir sentimentos e buscar novas compreensões, pois pairava na minha cabeça aquela ideia de que eu não tenho tempo a perder. Hoje, sei que esta atitude blasé me custou bem caro.


O que importa é que, em Lilliput, tem sido diferente: eu não me fechei na minha concha. Mesmo achando que essa tal “sororidade” só tinha lugar nos filmes de Hollywood sobre garotas colegiais, cheerleaders ou nerds, eu não me intimidei com os rótulos e aceitei os acenos de mão, as sugestões, os comentários e tudo o que pode me fortalecer e me fazer sentir “em casa” naquilo que eu ousei construir como sendo a minha “Brasiléia” – o meu universo paralelo.

Uma casa unida ao castelo por uma cerca, ambas, observam Gruyère.

É evidente que, várias vezes, eu não me identifiquei com tudo o que foi dito, e senti um tédio colossal em certos momentos. Mas, aceitei que vida em comunidade não é feita à nossa imagem, então, é um aprendizado também conviver com histórias pessoais tão díspares da nossa própria, e saber respeitar os horizontes de cada uma. Enfim, sororidade requer tolerância, ausência de competição e não julgamento prévio entre as próprias mulheres.


O que inicialmente pode ser visto como essa aliança entre mulheres leva também à uma empatia maior que, então, se transforma na amizade concreta e autêntica. Por esse lado, eu fui afortunada da mesma maneira. Assim, fundado naquele companherismo inicial por simplesmente estar vivendo no mesmo barco, surgiram compreensões reais e afinidades duradouras, as quais suavizaram as horas mais atribuladas e alegraram tantas aventuras de viagem.

Essa amizade me levou à África do Sul!

Por trás desta descoberta, fortemente atrelada ao feminismo, também tive que exercitar uma outra capacidade – aquela relacionada à impermanência. Ou seja, precisei entrever que esse companherismo seria efêmero. Os laços formados ontem se desatam hoje, e desaparecem no amanhã; pois grande parte das pessoas vive nesse oceano aberto dos expatriados, onde um mero soprar do vento desloca suas velas para além mar, e logo também será a minha vez de levantar a âncora.


Este é um dos desassossegos desses tempos sabáticos: viver o presente e aceitar tudo o quanto surge pela frente, sabendo que as colunas se movem diariamente. No entanto, existe um alento pois, para além da sororidade, a amizade genuína não será passageira e integrará as memórias e proezas desse ciclo.


Inclusive, fincada nessa experiência, eu me atrevi a integrar um grupo de yoga para mulheres expatriadas, como também decidi explorar uma espécie de sororidade virtual; e me voluntariei a escrever uma coluna mensal sobre a rotina e os hábitos lilliputianos na plataforma colaborativa Brasileiras Pelo Mundo. Afinal, a irmandade entre as mulheres pode ser praticada de diversas formas, e nunca é tarde para ajudar uma nova “sóror” (termo latino para irmã), principalmente, num país em que ainda há tanta desigualdade de gênero.


Quando eu comecei a ter contato com o universo de Lilliput, eu costumava me lembrar muito do filme “Mulheres Perfeitas” (Stepford Wives – 2004) em que, num subúrbio repleto de casas enormes, todos os maridos tinham mulheres perfeitas que cozinhavam, lavavam, cuidavam dos filhos, tinham tempo para ginástica, viviam com enormes sorrisos, cabeleiras loiras e corpos esculturais... até que uma novato no bairro, incomodada com toda aquela plenitude, descobre o que há de errado com aquelas esposas... É aquela velha ideia de que rindo se corrigem costumes. Tanto que, baseado no livro homônimo (de 1972), o termo em inglês “stepford wives” passou a integrar o dicionário.

Ocorria-me também da expressão “ladies who lunch”, que serve para definir aquelas mulheres bem vestidas que se reúnem para almoços sociais, geralmente durante a semana, que são casadas e não trabalham. Eu confesso que, durante os tempos sabáticos nesse país patriarcal, eu participei de inúmeros almoços como esses e não me senti culpada por isso. Por que não aproveitar essas frivolidades da vida transitória de uma expatriada? Comida boa e monotonia até que fazem uma boa combinação. E vou sentir saudades dessa emancipação tão peculiar que um almoço durante a semana pode nos oferecer.

Brindes das senhoras que almoçam

Enfim, por aqui, eu não descobri ainda nada de errado com as mulheres, como no filme, e não me incomodei com o título de “lady who lunch”. Mas, a sororidade me fez despertar para a aceitação – eu não sou igual à ninguém mas, colaborar, conviver, reunir e celebrar com elas, me tornou ainda mais forte.

Single post: Blog_Single_Post_Widget
  • Facebook
  • Twitter
  • YouTube
  • Pinterest
  • Tumblr Social Icon
  • Instagram
bottom of page