top of page

Quando Babel fala

Em muitos aspectos, um dos meus grandes esforços nestes tempos sabáticos tem sido viver uma vida fora da “zona de conforto” ou “out of the box”. Esse não é um fato novo para mim; eu diria até que a maior parte da minha vida tem sido escrita mesmo longe de vários lugares comuns. Mas, o fato é que agora o aquário morno e seguro de casa não está nem mais no horizonte. E, no campo acadêmico e profissional, certamente, vou me lembrar de uma penca de “nãos”, de todos os sabores, daqueles bem repletos de fofura e de outros tantos azedos... Enfim, sair da “zona de conforto” significa não só sonhar, se expor, mas também ser julgada, não se assossegar com nada e, mesmo assim, seguir adiante.

Minha saga exploratória tem sido tão grande que eu tenho ousado começar novas pesquisas. É renovar o oxigênio iniciando do nada mesmo. E numa dessas rompantes, já tem 2 anos seguidos que eu tenho ido ao United Nations Forum on Business and Human Rights, que ocorre todo novembro, em Genebra.

Em 2016, eu diria que minha curiosidade e admiração estava em cada olhar meu. Foi sonho puro se concretizando entre os meus dedos. Mas, acho que o torpor e o encantamento de ir aos "headquarters" da ONU me cegaram em demasia.

ONU em Genebra

Agora, em 2017, foi menos infinito e mais real. E eu me pergunto se é possível mudar tanto assim em um ano. Sim, eu estava empolgada como antes. Mas, também estava mais ácida. Ficou a impressão de que Babel revivia nas sombras de cada uma daquelas salas. Era um mar revolto de perguntas sem contexto: me lembro bem de estar num painel sobre os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e uma pessoa levantou a mão para criticar a falta de atuação dos tribunais no Nepal em relação ao tema dos direitos humanos e empresas. E, quando as perguntas eram certeiras vinha uma enxurrada de respostas desconexas com a indagação que havia sido feita. Really? E, sem mágoas, tinha muita gente despreparada que se propunha a fazer apresentações e até reconhecia que poderia ter feito algo melhor. Com isso, eu me levantava e mudava de sala, era preciso buscar algo melhor, senão seria até falta de respeito comigo mesma.

Somado à isso, a Babel também se mostrou ser uma terra de aparências: lá todos são inteligentes, felizes, saudáveis e têm algo a dizer a todo momento. Então, eu ficava me remoendo: se todo mundo é tão up e tão cool, se sabem tudo e têm tantas opiniões fantásticas, porque estamos aqui? Por que ainda se morre barbaramente como nos séculos passados? É porque naquele headquarter não pulsa a vida, não verte o sangue. É prazeiroso falar quando um bom vinho e um bom queijo te aguardam na sala ao lado. Caem as máscaras e o que resta não é nada alentador.

Minha acidez ainda me permitiu sentir como seguem perenes os dois mundos: o do norte e o do sul (não apenas geográfico) e a linha abissal que nos consome. O “norte” é culto, engajado, avançado, testado e criativo. Do lado de cá, o “sul” emerge boçal, grotesco, não civilizado, corruptível e traiçoeiro.

Em 2017, guardo palmas, porém, para a Colômbia e o Chile. Foram países com intervenções discretas mas, com teor e conhecimento.

Brasil? Fiasco geral vai passar. Sabe quando era melhor ter se dissolvido no silêncio? Foi pura lástima: dizer que se fez “muito”, quando se sabe que “muito pouco” foi feito. A voz embargada e receosa da representante brasileira desnudou a incoerência de um país de mazelas seculares que insiste em escondê-las.

Uma vez mais, foi bem assim: “Lá vai a foca toda arrumada/ Dançar no circo pra garotada/ Lá vai a foca subindo a escada/ Depois descendo desengonçada”.

Mas, minha acidez foi embora pela mão das crianças! Na noite do segundo dia de conferência houve um ballet russo onde a maioria dos bailarinos eram crianças e adolescentes com síndrome de down. Eu tinha recebido o convite e nem tinha dado muito valor para o evento. Mas, como minha curiosidade foi maior do que meu cansaço, eu prometi que iria entrar por uns 10 minutos. Enquanto eu ainda olhava para o palco e folheava o panfleto da peça, surgiram diante de mim uma doce bailarina rosa e seu fiel escudeiro. Eles pediram para tirar uma foto comigo com aquelas máquinas polaroid. Foi mágico! Eu fiquei até o final. Era uma mensagem subliminar que teimava em pular diante de mim: deve haver uma razão para o fracasso, deve haver uma razão para um pequeno passo. Balões subindo até o teto ao som de “Vogue” (Madonna): era o baile mágico da versão estilizada da Cinderela.

E, como era de se esperar, é muito mais suave falar de inclusão quando, na sala ao lado, há um requintado coquetel te aguardando. Fotos e flashes e um mundo novo se anunciava para aqueles bailarinos!

Single post: Blog_Single_Post_Widget
  • Facebook
  • Twitter
  • YouTube
  • Pinterest
  • Tumblr Social Icon
  • Instagram
bottom of page